FACTO 19

Novembro e Dezembro foram sempre meses de apreensão para os Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém (BVAC), devido à cíclica ocorrência de inundações.

1937, 1953, 1967 e 1983 constam como anos dramáticos, pois a subida do caudal da Ribeira das Jardas e de seus afluentes teve efeitos nefastos, quer na perda de vidas humanas (nos dois primeiros), quer na destruição de habitações e estabelecimentos comerciais.

Artur Lage interveio em todos os momentos adversos.

Face ao seu desempenho no socorro às vítimas do temporal verificado a 16 de Dezembro de 1953, de resto fortemente sentido nos arredores de Lisboa, mereceu da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) a Medalha de Prata, de Três Estrelas. Era, então, Ajudante de Comando, embora exercendo as funções de Comandante Interino.

A distinção, conferida pelo Conselho Administrativo e Técnico da LBP, em 5 de Maio de 1954, ficou a dever-se, concretamente, segundo o diploma de certificação, à "coragem e espírito de abnegação manifestados no salvamento de várias pessoas em situação crítica".

A sua imposição aconteceu a 14 de Novembro de 1954, durante as comemorações do 23.º aniversário da Associação dos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém, facto registado pelo Diário de Lisboa, no próprio dia do evento.

Tanto quanto julgamos saber, tratou-se da primeira vez que elementos do Corpo de Bombeiros receberam medalhas da co-denominada "Confederação de Associações e Corporações de Bombeiros".


Por sua vez, o "Boletim da Liga dos Bombeiros Portugueses", de Novembro e Dezembro de 1953, noticiou, com pormenor, a intervenção dos BVAC aquando do temporal, salientando, a par de outros, o seu valor e coragem, conforme se transcreve:

"Em Agualva-Cacém, logo de madrugada, do referido dia 16, se iniciaram os pedidos de socorros, a que imediatamente acorreram os voluntários da localidade, que agiram conforme as circunstâncias aconselhavam, socorrendo e salvando as pessoas que se encontravam em sério risco, visto a cheia ter aumentado, rapidamente, o volume das águas e estas inundarem bastantes habitações.
Dada a impetuosidade da corrente e, ainda, os embaraços provocados pelos muitos e variados objectos que ela arrastava, a travessia tornou-se bastante perigosa, obrigando os bombeiros a servirem-se de espias para se protegerem e evitarem o desiquilíbrio constante originado pela violência do curso da água.
Com todos estes transtornos e dificuldades de toda a natureza, próprios em sinistros desta ordem, os esforçados voluntários de Agualva-Cacém conseguiram salvar as seguintes pessoas:
António Fernandes Nunes, duas crianças filhas de João Carragoso Coelho, Messias Lopes, Maria da Conceição, Maria Lopes, António de Jesus Coelho, João Fernandes Coelho, Cândido Correia, Aurora Formosa, Alexandrino Baptista, João dos Santos, Rosalina Maria, Rosalina Duarte, António Ferreira, Narcisa de Jesus, Rosalina de Sousa, Gilberto dos Santos, Conceição  Martinho, Júlio Caldeira, Aida dos Santos Martins e seus filhos, José, Maria Fernanda, Carlos, Manuel e Jorge Manuel.
Foram salvos, também, quatro cães, um gato, três cabras e vária criação.
Infrutíferos se tornaram todos os esforços empregados para salvar Maria Amélia Esteves Saraiva e Alfredo Eugénio, cujos cadáveres foram mais tarde encontrados, o da primeira soterrado nos escombros da sua casa, e o do outro, na Quinta da Nóra, semi enterrado no lôdo.
Além dos serviços mencionados, os voluntários de Agualva-Cacém procederam a numerosos esgotamentos em propriedades, a diversos desvios de água, retiraram um automóvel do rio e levantaram e transportaram um ferido e dois cadáveres.
No seu relatório, o respectivo comandante realça a necessidade, para maior eficácia do serviço, de botas de borracha e casacos impermeáveis, para mais de metade do seu pessoal, suestes para todos os bombeiros, cabos, bomba própria para esgotamentos, uma viatura tipo 'jeep' e a supressão de várias insuficiências de instalação no quartel."


Pesquisa/Texto: LMB

Imagem do topo: "Diário de Lisboa", 16 de Dezembro de 1953 (escombros da casa em Agualva, onde residia Maria Amélia Esteves Saraiva, popularmente conhecida por "Amélia Cigana")